Smartphonite é a doença dos superconectados
Aplicativos, redes sociais, torpedos, fotos, músicas... tudo
o que faz o ser humano cada vez mais plugado no celular o torna também refém de
males que afetam do pescoço às mãos, passando por olhos e ouvidos
Nos bancos das praças, dentro dos ônibus, caminhando pelas
ruas e até na solidão de quartos escuros, as pessoas digitam usando
freneticamente os polegares na tela dos smartphones. Quando estão com o celular
em mãos, os usuários se isolam do mundo, plugados em fones de ouvido e com a
visão focada nas pequenas telas iluminadas. Porém, o mesmo aparelho útil para
telefonar, interagir nas redes sociais, ouvir música, assistir a vídeos, pagar
contas, fotografar, filmar e mais uma infinidade de tarefas pode provocar uma
série de prejuízos à saúde, se usado excessivamente. Os danos vão desde
problemas de visão até inflamação nos tendões da mão, passando por lesões no
aparelho auditivo e dores no pescoço e na coluna. Não é difícil imaginar a
dimensão do problema, quando se considera que, no Brasil, o número de telefones
móveis já ultrapassa o de habitantes.
O médico ortopedista Pedro José Pires Neto, eleito para ser
o próximo presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão (SBCM), alerta
que o principal vilão é o WhatsApp. “As pessoas usam o polegar com mais
intensidade para digitar e ocorre a sobrecarga nessa articulação”, explica. A
revista médica The Lancet batizou essa síndrome da pós-modernidade de
“whatsappinite”, uma inflamação nos tendões causada pelo uso excessivo dos
aparelhos de comunicação. Segundo a revista, que traz o relato do primeiro caso
da doença, trata-se de uma tendinite ou inflamação nos tendões ocasionada por
movimentos repetitivos.
O ortopedista Pedro José Pires Neto percebe uma diferença
entre as pessoas que precisam digitar no telefone para trabalhar e as que estão
apenas se divertindo. “Quando o assunto é sério, a musculatura fica mais tensa
e, às vezes, os pacientes se queixam de dor na raiz do polegar”, detalha. Pedro
explica que uma pessoa que está, por exemplo, fechando um negócio já fica
ansiosa, e isso eleva a carga de tensão. “Quem usa os celulares de forma mais
lúdica, no ônibus ou no banco de praça, está sorrindo, teoricamente feliz, e
não chega a ter problemas”, compara.
O remédio para a dor, segundo o ortopedista, é simples:
reduzir o uso. “É uma questão de causa e efeito. Se o efeito é a dor, é preciso
cessar a causa”, detalha. Se não for possível ficar sem usar os aplicativos, a
solução pode ser trocar o equipamento por um tablet com a tela maior ou um
notebook. Outra dica é mudar a posição e digitar usando outros dedos, como o
indicador.
A postura inadequada, com o pescoço abaixado e a coluna
curvada, também pode levar a dores. “Todo vício de postura pode provocar
desconforto”, destaca o ortopedista. Contra isso, uma alternativa é aumentar a
letra das mensagens, para uma melhor visualização, evitando a inclinação da
cabeça. Controlar a força do toque, procurando empregar baixa pressão, também
ajuda a prevenir dores.
ONIPRESENTE - São 283,5 milhões de telefones celulares no
Brasil, o que representa mais de um aparelho por pessoa, considerando que somos
uma nação de 204 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Há dois anos, a auxiliar administrativa Tatiane
Caldeira, de 28 anos, trocou seu aparelho simples para um smartphone. “Eu o uso
mais como um computador do que como telefone, principalmente para acessar as
redes sociais”, explica ela, ao interromper um diálogo no WhatsApp.
Tatiane também usa o aparelho para ouvir música enquanto
está no transporte coletivo. E corre um risco sem perceber. “Quem está no
ônibus escutando música precisa aumentar o volume para superar o barulho do
ambiente, e, quando isso ocorre, aumenta a possibilidade de danos ao sistema
auditivo”, alerta o presidente da Sociedade Mineira de Otorrinolaringologia,
Cheng T. Ping.
Ele explica que o que provoca dano auditivo é a intensidade
do som, associada ao tempo que a pessoa passa com o fone na orelha durante o
dia. “Se usa ocasionalmente, não há problema, mas, se escuta em um volume alto
por oito horas ao dia, pode causar danos”, detalha. A escolha do tipo de fone
(intracanal e de concha) pode ajudar a diminuir possíveis danos. Segundo o
médico, o fone de concha tende a ser menos lesivo. “Nos aparelhos novos, há um
alerta para a faixa de volume que pode danificar a audição”, destaca.
O fone de ouvido também pode provocar males mais graves:
“Quando a pessoa está com o fone, tende a prestar menos atenção ao ambiente, o
que favorece acidentes”, destaca Ping. Outro risco apontado pelo médico é o uso
durante corridas ou caminhadas. “Quem corre com o fone na orelha precisa
aumentar o volume, por causa do barulho da respiração, das passadas e do ruído
dos carros. Além de poder afetar a audição, o usuário fica mais exposto a acidentes”,
reforça o especialista.
DE OLHO
O médico inglês David Allamby fez um levantamento e
constatou que o número de jovens com miopia subiu 35% no Reino Unido desde o
lançamento dos primeiros smartphones, em 1997. Outro problema apontado pelo
médico é que a miopia – antes estabilizada por volta dos 21 anos – está sendo
desenvolvida por pessoas mais velhas. Uma das causas, segundo Allamby, é que as
pessoas seguram os aparelhos muito próximo dos olhos, entre 18 e 30 centímetros
de distância, inferior à de um livro (40cm). O médico batizou a doença como
screen sightedness (miopia de tela) e prevê que em 20 anos até metade das
pessoas com mais de 30 anos terão desenvolvido o distúrbio.
O diretor de Oftalmologia da Associação Médica de Minas
Gerais, Luiz Carlos Molinari, diz que a pesquisa faz muito sentido. “O uso do
smartphone, junto dos tablets, aumenta a miopia axial”, reforça Molinari. O
médico recomenda que os pais estimulem as crianças a brincar fora de casa,
longe dos aparelhos eletrônicos. Outra dica de Molinari é piscar mais.
“Computador, smartphone e tablet aumentam a evaporação da lágrima. O ideal é
que a pessoa passe a piscar mais, para lubrificar a córnea. Ao piscar, a lágrima
se renova”, ensina o oftalmologista.
Fonte: Jornal Estado de Minas